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RV29007 ArticoloO projeto da unidade europeia conhece hoje uma crise de confiança sem precedentes. Em sucessivas eleições nacionais, e também nas últimas eleições para o Parlamento europeu, crescem as forças que lhe são hostis. Depois de vários alargamentos a outros países e de cada vez mais candidaturas à adesão, eis que um dos mais importantes Estados membros da União Europeia, o Reino Unido, quer deixar de o ser. As grandes expectativas que Estados do Sul e do Leste da Europa tinham no momento da adesão dão agora lugar a desilusões.

Neste contexto, manifestar confiança no projeto da unidade europeia é, na verdade, “remar contra a maré”. Mas há alturas em que é bom fazê-lo, porque se corre o risco de esquecer aspetos positivos que já nos passam despercebidos e bloquear autênticos progressos da civilização. Foi essa confiança que quis manifestar a Igreja Católica, através do seu organismo junto da União Europeia (a COMECE), que organizou, de 27 a 29 de outubro, um congresso no Vaticano com o título (Re)pensar a Europa – Contributo dos cristãos para o futuro do projeto europeu. Num clima de descrença e pessimismo, esta iniciativa, a que se associou o Papa Francisco, quis ser um sinal de esperança.

A valorização dessas raízes cristãs não deve encerrar-nos no passado, mas faz-nos olhar para o futuro (como salientou o cardeal Reinhard Marx, presidente da COMECE, na apresentação do congresso). Essas raízes são destinadas a dar fruto hoje e no futuro e essa é a responsabilidade dos cristãos que vivem hoje na Europa. Não se trata de impor nada, mas de oferecer um contributo. É essa a motivação profunda da iniciativa Juntos pela Europa, que, já desde há mais de uma década, congrega cerca de trezentos movimentos e comunidades de várias denominações cristãs.

Os cristãos podem, pois, dar hoje à Europa um contributo específico e fecundo.

A visão cristã da reconciliação e da paz esteve na origem do projeto da unidade europeia e movia os seus “pais fundadores”. Esse projeto é, antes de mais, um projeto de paz, que permitiu que, pela primeira vez na história deste continente, uma geração tenha vivido sem conhecer o flagelo da guerra. Este é um bem que às jovens gerações hoje até passará despercebido.

Também pela primeira vez na história, esse projeto pretende que o sucesso e a prosperidade de cada um dos países europeus não seja construído à custa do sucesso e da prosperidade dos outros, mas que todos eles beneficiem do progresso social de forma equitativa. Esta é, no fundo, a concretização da noção do bem comum, princípio estrutural da doutrina social cristã.

Unidade na diversidade — é este o mote da União Europeia. Os cristãos acreditam num Deus uno e trino. Esta sua fé não pode deixar de servir de luz para, salvaguardas as devidas proporções, ajudar a viver esse mote, a harmonizar diferenças numa unidade que não é uniformidade.

Na conclusão do congresso, discursou o Papa Francisco. O Seu discurso (acessível em www.vatican.va) aprofunda muitos dos aspetos em que se pode traduzir hoje o contributo dos cristãos para o projeto da unidade europeia.

O Papa começa por salientar a novidade do cristianismo, em relação às civilizações da Antiguidade, no que se refere às noções de pessoa e comunidade. Evocando São Bento, patrono da Europa, afirma que com o cristianismo já não contam papéis sociais, riqueza ou poder, mas pessoas como imagem de Deus e com uma natureza comum (não adjetivos, mas substantivos). E pessoas concretas, com um rosto, que são mais do que números ou estatísticas. Depois, o sentido da pertença a uma comunidade: «deturpa-se o conceito de liberdade quando ele é interpretado como se fosse o dever de estar sós, desligados de qualquer vínculo, e assim fosse construída uma sociedade desenraizada, privada do sentido de pertença e de herança».

E o Papa termina o seu discurso citando a célebre carta a Diogneto, que remonta ao século II: «como é a alma no corpo, assim são os cristãos no mundo». Os cristãos são chamados a dar uma alma à Europa, não para ocupar espaços, mas para animar processos, que possam gera novos dinamismos na sociedade. Porque da fé cristã brota «sempre uma esperança alegre, capaz de mudar o mundo».

Pedro Vaz Pinto

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